ILHA DO FAROL 2017
1.Há algo no exterior dos peixes
Há
algo no exterior dos peixes que faz bem ao interior dos seres humanos.
Sinto esta verdade simples quando pesco na Ilha do Farol. Não sei
explicar. O certo é que pescar “viúvas” dá para empolgar; também pescar
uns pequenos “picas-del-rei” provoca imenso prazer; sacar um robalo,
uma anchova ou até uma dourada, traz vibração.
Pica-del-rei
Enquanto viajava no Alfa Porto – Faro fui-me descontraindo. E sorria. E sonhava.
Cheguei
a Olhão por volta do meio-dia, já liberto de cenas imaginárias e a
pensar no horário do Barco da Carreira, que me levaria até à ilha do
Farol.
A Ilha do Farol
Apita o combóio, traçando Portugal do Porto a Olhão.
Muito turista realmente. Senti que este País já não é dos portugueses.
Viagem confortável, sossegada, apenas construída pela vergonha dos WC
sem água e consequentemente por merda e mijo em abundância. Neste
sentido, julguei-me de novo, mas na Mauritânia…lá onde a merda no
aeroporto de Tumbuktu fazia monte na única cagadeira existente.
Turistas
Almocei
umas sardinhas e sosseguei as vistas no barco até à ilha. Ah…aquela
rapariga debruçada, perna ao léu, fez-me esquecer a magnificência da
paisagem.
Cheguei a casa sozinho e descartei a bagagem: roupas
para um lado, material de pesca para outro. Depois fui até à Associação
ver o FCP e aproveitar para descascar uns amendoins com a frescura duma
pretinha.
Finalizei este dia em amena cavaqueira pescal, na confissão dos fracassos e dos êxitos.
2. Cem poemas de Sophia
Outra versão: Embarcado, fixei o horizonte. Lembrei-me da grande poetisa Sophia e do seu Poema, perante a exuberância natural da Ria Formosa.
(…) A terra o sol o vento o mar
São minha biografia e são meu rosto (…)
A praia do Farol
Mas,
mais referiu a poetisa: que a sua vida era o mar, o seu interior uma
atenção voltada para fora, o seu viver escutava; que não trazia Deus
consigo mas no mundo o procurava sabendo que o real o mostraria; que não
tinha explicações, olhava e confrontava.
Apropriando as frases
de Sophia, eu também confrontava enquanto navegava nas águas da ria, o
seu sol acolhedor, a brisa do sul e a ilha com o seu farol, apontando ao
Céu.
3. Eu pescador me confesso
Dormi bem, acordei no
silêncio. O meu corpo e o meu espírito sentiam a influência da Ilha. Às
07h15, o nosso dinâmico corredor de fundo, mais conhecido por Dr
Adérito, já se afanava com as canas na cozinha, enquanto tomava o
pequeno-almoço. Saímos para a pesca 15 minutos depois.
O Adérito
pescou apenas 3 robalotes, demorando-se para além do horário, que esta
espécie de peixes impõe aos pescadores. O que não iria acontecer com as
anchovas à hora do almoço,
pois elas entraram na ria trazendo as aves, enquanto almoçávamos os três descontraidamente, elogiando o arroz de peixe.
Bailas e robalos
Com
a partida da Dra Eugénia, esposa do Adérito, levantou-se forte
ventania, que impossibilitou a minha pesca às “viúvas” na Somec.
Decididamente, neste 1º dia de pesca, os planetas não se alinharam.
No
dia seguinte, 19 de Setembro, foi uma manhã à olhanense. A buscar
coisas úteis nas bancas do mercado e nas prateleiras do Pingo Doce.
Sabem, aquelas coisas que consideramos necessárias e úteis, as quais
encheram o carrinho: azeitonas, tremoços, amendoins, vinho, legumes,
fruta, pão, sardinhas – a alimentação frugal num relance! A ilha
deixa-nos viver mas com limitações.
Entretanto o Adérito, neste
jogo a dois (eu em Olhão e ele no Molhe da Ilha), enganou 16 pintarolas
(aquela espécie de robalo com pintas – a baila), no amanhecer do molhe,
lógico. E mais, pois quando eu cheguei pelas 12h00 tinha ido de novo a
ver das anchovas perdidas do dia anterior. O regresso ao passado é muito
lindo, mas em filme…embora ainda tenha capturado só uma. Eu, também me
vinguei do fracasso antecedente, ao tirar a terreiro uma boas viúvas.
Anchovas à algarvia
Informação
importante: no mercado de peixe de Olhão comprei um quilo de biqueirões
granjolas, lindos de comer. Foram os protagonistas do nosso almoço,
preparados à moda algarvia. Delícia!
A receita é simples:
amanhá-los e temperá-los com sal, limão e alho, durante uma hora ou mais
e depois passá-los por ovo batido, farinha e fritá-los.
4. Os vazios ocupam um espaço imenso
Seis
sargos de bom tamanho, durante a manhã de quarta-feira, entre as 06h00 e
as 09h30, deram-nos os bons dias no 76. Pescado ao fundo com uma
chumbeira de 60 gr e camarão descongelado como isco. Foi o nosso jantar
deste dia 20 de Setembro. Ambos gostamos de peixe cozido ao vapor,
juntamente com bróculo, cenoura e couve-flor, com um molho Receita
Poveira.
O Sr Pinto
O peixe deixou de picar justamente às 09h30, quando a
vazante virou paragem. Radicalmente. Disso se queixaram o sr Pinto na
sua cadeira de rodas e a D. Alice nas pedras. Acabaram por nos dar
simpatia, pois também eles foram umas vítimas do vazio que se instalou.
O resto do dia passou-se no remanso.
A D. Rosa
5. Senhora anchova, porque lhe apropriaram o nome? *
Fizemos
neste dia a festa da anchova. Grelhada, com salada de feijão verde,
cebola e tomate. Deu para bater ao de levezinho na barriga. Mas, antes,
no amanhecer da horinha, o número mágico (76) tinha dado mais umas boas
peças (4), por entre o bulício das taínhas a serem perseguidas por
enormes corvinas. Impressionante! Notaram/se as douradas, pois
desferravam com violência. Concluí mais tarde, que o anzol nº 4 que
utilizava, era demasiado pequeno para a boca das douradas. Não pesquei
uma! E para cúmulo do azar acabou-se-me o isco. O Adérito foi para a
ponta do molhe onde desalinhou a vida de 4 bailas.
Dourada
Este dia de bela vida
acabou com um telefonema à minha esposa…Como diria o Fernando Pessoa
(outra vez): sou “Casado, fútil, quotidiano…”.
* Existem para aí
umas latinhas de conserva de biqueirão. Por que raio lhe chamam
“Anchovas”?.
6. “Dêem-me o céu azul e o sol visível…”
A reler Álvaro de Campos às 04h00. Tenho destes hábitos.
Mas,
se houve céu azul e sol visível, os peixes não mostraram a cor nem se
mostraram nos anzóis. Só o Adérito mereceu a tristeza dos seus colegas
de corrico, pois deixou escapar uma anchova para aí de 5 quilos (segundo
eles). Ainda se aborreceu com um palermóide, a que apelidam de francês,
por causa da cedência de um camaroeiro.
Tá o mar fête num cão
Valeu ao almoço uma
massada de peixe e à noite uma sopa do mesmo. A digestão fez-se na
Associação com o FCP a derrotar o Moreirense.
Mas pesava ao
Adérito a perda da referida anchova matulona. Lamentava-se que a culpa
foi do nó de ligação do nylon ao multifilamento. Afinal, o céu escureceu
e o sol tapou. Alguém gritou para a companheira:
- Oh Maria, estás a ver? Deixa lá, a pesca é assim!
7. Dia de Olhão, Feira, Mercado e Pingo Doce
Desrotinar a
pesca e verificar a banalidade sentada, calada e absorta em nada, dos
passageiros do barco da carreira. E mais, verificar carrinhos, todos com
carrinhos e na cabeça a lista de comprasa, certamente.
Sinto
simpatia pelas vendedeiras da Feira e do Mercado. Vendem o coração,
vendem sempre autêntico e do melhor, vendem sorrisos e legumes…vendem
palavras.
Já no Pingo Doce não é assim. Há empregadas. São
“colaboradoras” do patrão, defendendo a sua gula financeira. Mas ná
variedade de produtos, há promoções, tudo é nacional sempre dentro do
prazo de validade e com rótulo de composição (obviamente, por respeito à
humanidade). Importa é encher o carrinho e pagar na caixa.
Mestre Sabino
Nós
comprámos o essencial e o acessório. Neste ultimo, até os “tapa-mamilos”
e um frango assado. Carregados, demos passagem à marabunta de turistas
que demandavam a Ilha, quando embarcámos para o regresso. Disseram-me os
locais que os turístas tinham descoberto Olhão e a Ilha do Farol
(afinal os descobrimentos não acabaram, mas agora ao contrário). Eles
irão colonizar e os olhanenses vão se foder!
Adérito Alves
Já chegados, e como
não podia deixar de ser, fomos pescar. Adérito no molhe e eu no Cais da
Somec. Qual quê? Sossego não existia, espaço para pescar não existia,
cacofonia existia, barcos a navegar também e até mergulhadores em
iniciação. Nesta conjuntura a sociedade escamosa pisgou-se, sobretudo as
classes mais desejadas. Capturei meia dúzia de agulhas, outro tanto de
“viúvas” e tive de suportar o infantário das irritantes e ladrazinhas de
iscos, choupinhas de 10 cm. Foi tudo remetido à água.
Só deu para apanhar um solinho, para bronzear mais um pouco.
8. Dia 24 de Setembro, domingo
Apeteceu-me
ir à praia, mas começando a ver aquelas turistas gordas e feias, deixou
de me apetecer; lembrei-me de ir pescar, mas olhando a concentração de
seres humanos no molhe, do género corricadores, deixou logo de me
apetecer; tinha de ir ao café da Associação ler os Emails e tomar um
cafezinho, também não me apeteceu por falta de vontade; apeteceu-me não
fazer nada!. Pronto. Consegui.
Eng- Trigueiros
Entretanto, o mar começou com a
barulheira. As ondas batiam na areia com estrondo. Estava a avisar que
viria aí um sudoeste. É todos os anos assim. Na última semana de
Setembro, o mar zanga-se connosco. Mas, como diz o cego ao cão: - Vamos
ver! Se haverá ou não sudoeste.
Por volta das 17h00 pegámos nas
“armas” e nas “munições” e molhe connosco. O Adérito queria anchovas e
as aves prometiam, mas depressa passou o entusiasmo aos robalos de
pingalim. Ainda conseguiu três.
Pingalim
Quanto a mim, espectador atento,
sentei-me numa cadeira branca a acumular sol na pele, a ver os
lançamentos. Antes que o escaldão acontecesse, levantei-me e dirigi-me
para a ponta do molhe. À bóia, dei com os esquivos dos sargos. Foi meio
balde deles. O Adérito chegou, viu e gostou, imitou e bem assim logo
acabou enchendo o balde.
Luís Borges
A anoitecer, o frio obrigou-nos a fazer o caminho de regresso, porque com tshirt só com o Pai Sol.
Resumindo: numa horita fizemos o que S.Pedro nos mandava – pescar.
9. Os grilos da Ilha
A
insónia obriga-me a ler. Comecei a meio da noite com a revista “SPORT, a
vida é o melhor desporto”, por indicação do Adérito, que corre como se
fugisse do diabo. Diz que gosta e lhe faz bem. Controla tudo ao
milímetro com o relógio, a net, a alimentação, o sono, as sapatilhas,
etc. Admiro este meu amigo. O texto que li versava Nutrição. Nada que me
fosse estranho, embora as indicações se orientassem para a corrida. Não
sou adepto, pois acho que é um esforço anti-natural. As minhas corridas
são as de andar o mais que puder e de correr o menos possível, evitando
prejudicar o equilíbrio, dada a idade. Tenho-me dado bem.
Depois reli os meus “deveres”, ou seja, os meus escritos tipo crónica sobre a Ilha, pegando por último no Álvaro de Campos.
E levantei-me. Sabia que o despertador iria tocar e levantei-me. Porque sabia? Não sei.
Às 05h30 os grilos da Ilha ouviram-nos sair para a pesca e calaram-se.
No
regresso do molhe mágico o Adérito não corria, pois os 12 robalos na
saca pesavam e eu tal e qual, com 10 sargos crescidinhos, que
acreditavam poder chegar a velhos. Julgo eu!
Sargos
Neste contexto, o
céu parecia-nos maior, o mar mais azul e a vida mais leve e agradável.
Até que nem era preciso aperceber-nos desta realidade aumentada: o
esplendor deste Verão continuado tinha outra expressão na Ilha, quase
uma pintura. Os seres humanos que lá vivem nem se apercebem desta
maravilha e se se apercebem não sabem tornar-se contentes e felizes.
10º Dia, 26 de Setembro, 3ª feira
WIFI – 063 549 28
NOS_Internet_C74C
O WIFI foi instalado na casa. Agora, com esta melhoria técnica, já temos a possibilidade de nos ligarmos ao mundo. Dizem.
Desliguei
e pela 1ª vez fui mesmo à praia. Revi aquela praia longa, o mar em
remanso contínuo e o sol desejado. Deliciei-me a contemplar:
-
“Milady, é um perigo contemplá-la…”. Especifiquemos: montes de turistas
louras e de olhos azuis a bronzearem os seus bem torneados corpos.
Cavacos
Apanham-se
na Ilha os célebres “Cavacos”, um marisco semelhante na forma à
lagosta, mas mais pequenos. Comprámos um quilo. Comemos uns quantos
vendo o jogo FC Porto / Mónaco e bebemos 3 cervejas a festejar e a
acompanhar. Os príncipes de Mónaco não comeram nem beberam nada – 0.
Antes
deste enorme sacrifício, ainda demos um saltinho nos sítios devidos e a
coisa acabou por sair empatada: Adérito – 4 robalos / Borges – 4
sargos.
11. “Z-CLAN” E “PATCHINCO”
Duas amostras tipo “Ronaldo”. O Adérito venera estes pequenos objectos brilhantes e perigosos para os peixes.
Foi
o dia em que se ouviu o frio a falar. Saí de manhãzinha de calções e
regressei enregelado e sem peixe. Inquietude em absoluta no céu nublado,
no vento sibilante, nos peixes ausentes, na desilusão dos pescadores e
dos turistas.
Patchinco
À tardinha, o Adérito ainda insistiu na procura das
esmeraldas perdidas, aqueles robalos e aquelas anchovas, a pensar na
eficácia das suas amostras. Só pescou nada e como diria o Cheta: - Nada é
nada. Patchinco…
12. Robalão
No Norte, certamente, as
nossa esposas já sentiam saudades nossas. Os lugares lá de casa
desocupados estão vazios e as nossas presenças são como filmes mudos.
Pensámos
em levar-lhes umas prendas: pão alentejano (do autêntico), figos secos
(pingo de mel) e talvez uns rábanos. Não sabem o que são rábanos?
O robalão
Finalmente.
O Adérito ganhou em toda a linha no molhe, pescando um robalo com 2,620
kg e 62 cm de comprimento. Não se ficou por aqui, pois ainda logrou
capturar uma enorme Agulha com 1 metro de comprimento.
Foi com
parabéns, que o Adérito assumiu o mérito pessoal, posando para o
fotógrafo de serviço. Dois peixes exemplares, capturados pela amostra
denominada “A assassina”.
A assassina
13º Dia, com “Mar de fora”
Último
dia de pesca na Ilha, ape nas durante a manhã. Vararem no molhe,
virados para a Ria, os corricadores confiavam. E quem pescou o maior
peixe da manhã? Não adivinham? Eu digo: o Adérito, com uma Anchova de
quase um quilo.
Anchova
Com a anchova pendurada, o “mar de fora” negava-se a acreditar. Com este tipo de mar, os peixes caem fora.
Toda
a tarde e noite (até às 24h00) nós dois só fizemos malas e entubámos
canas…Acabara-se a cena anual de férias na Ilha do Farol, naquele
contexto de lazer total. As saudades de 2018 já se faziam ouvir.
Avental improvisado
14º Dia, 30 de Setembro, sábado
Regresso.
Primeiro de Táxi Marítimo da Ilha a Olhão. Segundo comprara o almoço –
frango assado e camarão do Prata. Terceira comprar as tais prendas para
as esposas. Quarto comprar para nós umas coisitas: maçãs Casa Nova e
Bravo de Esmolfe, romãs e Folares algarvios. Quinto no rumo para o Porto
de carro com almoço em Grândola. Sexto, acertar contas (53,00 euros –
gasóleo) mais 43,20 (portagem), portanto 96,20 euros no total, dividido
por ambos.
Aquele abraço.
A poesia da Ilha
Matosinhos, 01 de Outubro de 2017
Luís M. Borges